Os auditores da Receita Federal decidiram nesta quinta-feira (23) paralisar as suas atividades e entregar todos os cargos de chefia, em protesto contra a aprovação do Orçamento de 2022 prevendo reajuste salarial apenas para policiais federais -que são uma das bases do presidente Jair Bolsonaro na sociedade.
Em assembleia nesta quinta-feira, os auditores aprovaram cinco indicativos de maneira quase unânime -com o voto favorável de 97% dos 4.287 participantes. Kleber Cabral, presidente do Sindifisco, afirma que a paralisação vai abranger todas as atividades, exceto a área aduaneira. “[Nas aduanas] na verdade é um aumento do rigor que acaba causando uma maior demora nas importações e exportações e é direcionado apenas à parte de carga. Então não afeta nada a vida do passageiro, do viajante para o exterior ou vindo do exterior”, afirma.
Os indicativos aprovados preveem a chamada “meta zero” para todos os setores da Receita Federal e do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) -o que significa deixar as fiscalizações sem resultado-, a entrega ostensiva de todos os cargos em comissão e de funções de chefia, a paralisação de todos os projetos nacionais e regionais do Plano Operacional do órgão, o não preenchimento dos relatórios de atividades e o início da chamada operação padrão nas aduanas (com exceção de medicamentos e cargas vivas e perecíveis).
A categoria afirma que a operação padrão nas aduanas não vai impactar os viajantes e que as ações devem ter início na próxima segunda-feira A decisão da assembleia prevê a manutenção dessas ações até o momento em que o governo publique decreto de regulamentação dos bônus de eficiência, principal demanda da categoria.
A movimentação dos auditores fiscais teve início na terça-feira (21), dia em que o Congresso aprovou o orçamento para 2022. Deputados e senadores atenderam o pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL), que quis contemplar com aumento de salário os policiais, sua base política, em ano eleitoral.
O orçamento prevê R$ 1,7 bilhão para o reajuste de policiais. Além disso, o projeto de lei aprovado também destina R$ 4,9 bilhões para o chamado fundão eleitoral. O aumento aos policiais foi um pedido do próprio presidente Bolsonaro. Apenas PF, PRF (Polícia Rodoviária Federal) e Depen (Departamento Penitenciário Nacional), além de agentes comunitários de saúde, obtiveram previsão de reajuste dentro do funcionalismo.
A reação inicial dos auditores foi uma ação articulada para a entrega dos cargos em comissão, com o objetivo de deixar a Receita “acéfala”. Até o meio da tarde desta quinta-feira, 635 profissionais já haviam deixado as posições de chefia. A Receita tem 7.950 auditores, 6.071 analistas e 2.938 funções comissionadas. Com a debandada, os servidores deixam os postos, mas seguem na carreira, uma vez que são concursados.
A mobilização da categoria chegou ao Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). O órgão é uma espécie de tribunal da Receita.
Segundo o Sindifisco (sindicato da categoria), 44 auditores deixaram seus cargos. Com a medida, eles irão voltar para funções na Receita. Ao todo, 635 auditores já abriram mão de cargos comissionados.
Também houve 17 exonerações na Copei (Coordenação-Geral de Pesquisa e Investigação da Receita), órgão de combate à sonegação, à lavagem de dinheiro e aos crimes financeiros. Procurado, o Ministério da Economia afirmou que não irá comentar. A Receita, por sua vez, não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Os auditores reclamam que havia um acordo com a Economia para honrar o pagamento de bônus de produtividade, instituído em 2016, mas que nunca entrou em prática. A insatisfação dos servidores da Receita não é isolada. Após a debandada no órgão, funcionários públicos de outras áreas começaram a reclamar da benesse aos policiais.
Também nesta quarta, a associação dos funcionários do Ipea divulgou uma nota se queixando da falta de reajuste salarial, mesmo após enviarem ofícios à Economia com pedido de reposição de perda inflacionária. O documento foi publicado após reunião com o presidente do órgão, Carlos Von Doellinger.
“Diante dos encaminhamentos da reunião e sem mesa de negociação para a questão salarial, a postura do governo tem mostrado que será necessário um engajamento mais amplo do conjunto de servidores civis federais para reverter esse quadro”, disse a entidade, na nota.