MARCELO TOLEDO
RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - Em um lugar, uma embarcação que naufragou há mais de 90 anos ressurgiu com a seca no rio Grande. Em outros dois, construções de uma antiga cidade voltaram a ser visíveis e uma antiga ponte que mostra parte da dinâmica da economia rural em meados do século 20 também reapareceu.
A severa crise hídrica que atinge o país neste ano fez reviver em cidades que dividem São Paulo de Minas Gerais e de Mato Grosso do Sul um passado que estava submerso devido ao alagamento de rios para a construção de reservatórios que abastecem hidrelétricas.
Com o baixo nível da água devido à falta de chuvas, ele ficou aparente e, se por um lado os rios vazios afugentam turistas que buscam aventuras náuticas, por outro passou a atrair pessoas curiosas para conhecer detalhes do local e das cidades em que se situam.
Em Guaraci, que fica na divisa com Frutal (MG), o recuo da água do rio Grande, que em alguns pontos superou os 200 metros -e ficou mais de 10 m mais raso- fez com que uma antiga ponte utilizada por peões boiadeiros para o transporte de milhares de cabeças de gado ressurgisse.
O local, que era passagem obrigatória para as comitivas levarem os animais aos frigoríficos em Barretos, foi alagado com o surgimento da usina hidrelétrica de Marimbondo, construída a partir de 1971 entre Icém (SP) e Fronteira (MG).
"A água baixa fez o turismo cair cerca de 60% na cidade, mas esse não é o único problema. Os pescadores dependem muito dessa água para sobrevivência, o pessoal está passando uma situação muito difícil. Não tem como trabalhar, não tem peixe e não tem turista. As pessoas estão doidas atrás de trabalho", disse Norivaldo Borges Pessoa, chefe do setor urbano de Guaraci.
A usina de Marimbondo está operando com a água em 431,25 m acima do nível do mar, 5 m acima do mínimo para operação e 15 m abaixo do nível normal de funcionamento, segundo Furnas. Seu lago tinha apenas 14,21% do volume útil na quarta-feira (20).
As chuvas registradas na semana passada fizeram a ponte voltar a ficar submersa há cerca de dez dias, o que gera outro problema: o risco de navegação no local.
"É perigoso bater na ponte, que está praticamente na superfície. Só dá para passar ali quem conhece muito", disse Pessoa.
Já em Colômbia, uma embarcação de ferro de 20 m de comprimento e que naufragou supostamente há 90 anos, também no rio Grande, ressurgiu.
Ela era utilizada para o transporte fluvial de produtos como café, farinha e madeira do rio Grande para locais no curso do rio Pardo, e supostamente estava com excesso de carga quando afundou, de acordo com a superintendente de meio ambiente de Colômbia, Maria Inácia Macedo Freitas.
Como nunca foi tirada do local, voltou a ser visível, como já tinha ocorrido ao menos outras duas vezes nos últimos 20 anos, entre novembro e dezembro do ano passado e na crise hídrica de 2001.
"O rio tem oscilado aqui. Em alguns dias, a água encobre o barco, mas em outros, principalmente nos finais de semana, ele fica visível e até as pedras do fundo do rio estão sendo vistas. É uma situação desesperadora", disse.
A aceleração das aparições de construções submersas nas últimas décadas tem gerado preocupação nos municípios, que têm parte de sua economia dependente do turismo náutico.
É o que ocorre também em Rubineia, cidade que tinha cerca de 10 mil moradores nos anos 70 e foi alagada em 1973 para o surgimento do reservatório da hidrelétrica de Ilha Solteira, no rio Paraná. Pela segunda vez -a primeira foi em 2014- antigas estruturas antes submersas voltaram a ser visíveis.
A seca no trecho local do lago fez com ressurgissem pilares da plataforma de embarque da antiga estação ferroviária, partes de uma antiga serraria, um antigo playground que existia numa praça, um coxo para tratar os animais e estruturas utilizadas para a higienização de vagões ferroviários, como uma caixa d'água.
A água está 5 m mais baixa que o habitual e o rio recuou cerca de 200 m em sua largura, conforme a prefeitura.
O reservatório da hidrelétrica de Ilha Solteira, que quando construído provocou o alagamento da antiga Rubineia, está com 0% de seu volume útil, segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema), o que permitiu o ressurgimento das ruínas.
O turista que ia à cidade para passeios de lanchas e motos aquáticas sumiu, mas a prefeitura quer aproveitar a escassez hídrica para tentar atrair um outro tipo de visitante, o interessado em mergulhar e explorar o que ainda está submerso.
Não sobraram muitas coisas, afirma o secretário de Turismo de Rubineia, Evandro Santos, já que boa parte da cidade antiga foi demolida para que os moradores utilizassem os materiais de construção para erguer suas novas casas em uma área fora do local de inundação.
Muitos foram embora, e hoje a população de Rubineia é de 3.191 habitantes. Na crise de 2014, a água ficou 3 m abaixo do registrado atualmente, o que deixou visível praticamente tudo o que restou da antiga cidade. A expectativa de Santos é que isso ocorra novamente agora.
No próprio entorno da hidrelétrica de Ilha Solteira, o que mais se vê é o ressurgimento de grandes árvores que estavam encobertas pela água.
As chuvas dos últimos dias não foram suficientes para mudar substancialmente o cenário de seca. Antigas construções alagadas para a criação de reservatórios de hidrelétricas não são exclusividade de Guaraci, Rubineia e Colômbia.
No próprio rio Grande, a divisa de estados entre Rifaina (SP) e Sacramento (MG) nos anos 70 foi alagada para a criação do lago da hidrelétrica de Jaguara. A antiga cidade, incluindo igreja e estação ferroviária, ficou submersa e uma nova área urbana surgiu.
No Paraná, as lendárias Sete Quedas deixaram de existir em 1982 para a formação do lago de Itaipu, o que até hoje é lamentado por moradores de Guaíra, na fronteira com Salto del Guairá, no Paraguai.