A Polícia Federal investiga se a vacinação clandestina em uma empresa de transporte em Belo Horizonte, foi realizada com imunizantes desviados de algum ponto da rede de saúde pública do Brasil. A corporação trabalha ainda com duas outras possibilidades: importação ilegal de um país da América do Sul ou, ainda, que o grupo tenha caído em um golpe, recebendo doses que não são de imunizante contra a covid-19. As informações são de fonte próxima às investigações.
Na quarta-feira, 24, a revista piauí mostrou que políticos e empresários de Minas teriam tomado a primeira das duas doses da vacina da Pfizer contra a covid, e que eles compraram o imunizante por iniciativa própria, driblando o SUS, o que é ilegal. A compra de vacinas pela iniciativa privada é permitida, mas a lei prevê que haja doação à rede pública enquanto não for concluída a imunização dos grupos prioritários. A primeira remessa do imunizante da Pfizer para o governo federal, segundo o Ministério da Saúde, ainda não chegou ao Brasil.
Depoimentos começarão a ser tomados pelos policias nos próximos dias. Vídeos obtidos pelo Estadão mostram veículos e seus condutores dentro da empresa no bairro Caiçara, região noroeste de Belo Horizonte, na noite de terça-feira, 23. Uma mulher com jaleco branco faz movimentos semelhantes aos adotados para vacinação de pessoas dentro de um dos veículos.
A reportagem do Estadão esteve no local na quinta-feira, 25. Um funcionário disse que no endereço funciona uma empresa que faz parte do grupo Saritur, um dos principais do setor de transporte de passageiros de Minas.
A autora das imagens fez boletim de ocorrência junto à Polícia Militar. A chamada para a ocorrência foi às 19h51. Ao chegarem ao local, ainda na portaria, os policiais foram informados por seguranças que uma reunião de diretores da empresa tinha ocorrido no local, mas que todos já tinham ido embora.
Neste momento, uma pessoa acenou para os policiais e disse que era a autora do chamado feito à polícia. Afirmou que havia filmado cerca de 25 veículos no pátio da empresa, cujos condutores haviam sido vacinados por uma mulher trajando jaleco de cor branca. Crianças também teriam sido vacinadas, conforme a denunciante.
Os policiais disseram ainda que acionaram a Guarda Municipal e a Vigilância Sanitária. Todos entraram na empresa e, conforme consta no boletim de ocorrência, nada encontraram. A denunciante disse ainda que o vídeo seria entregue à Secretaria Municipal de Saúde. A pasta informou que não recebeu o material oficialmente.
Entre os vacinados, segundo a piauí, estariam o ex-presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e ex-senador, Clésio Andrade, e o deputado estadual Alencar da Silveira Júnior (PDT).
Andrade chegou, conforme a revista, a confirmar que teria sido imunizado. Em seguida, no entanto, negou ter sido vacinado. Alencar da Silveira Júnior também afirma que não tomou a dose contra a doença. A reportagem tenta contato com a assessoria da Saritur desde a quarta-feira, sem sucesso.
Empresários prestarão depoimento
Na sexta-feira, 26, a PF deflagrou a Operação "Camarote", para investigar a denúncia de vacinação clandestina dos empresários. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão na garagem que aparece nas imagens gravadas pela vizinha da empresa e em endereços de empresários apontados como donos da Saritur.
A empresa no bairro Caiçara aparece nas investigações com o nome de Coordenadas. Até pouco tempo, a fachada da empresa era pintada com listas em cores utilizadas nos ônibus da Saritur, amarelo, laranja e marrom. Atualmente, porém, foi adotado o verde com uma fina listra vermelha.
A Saritur foi fundada em 1977 pelo empresário José Carvalho e tem entre seus sócios os irmãos Rubens Lessa, Roberto Lessa, Robson Lessa e Rômulo Lessa. O grupo empresarial tem frota de 1,2 mil ônibus e responde por cerca de seis mil empregos, entre funcionários diretos e indiretos.
Na garagem no bairro Caiçara foi apreendida uma lista com nomes que a Polícia Federal suspeita de terem sido vacinados na terça-feira. "São muitas pessoas. Todas prestarão depoimento", afirma um integrante da corporação que participou da operação.
Com as linhas de investigação atualmente em curso, a PF vê, portanto, a possibilidade de terem ocorridos crimes de contrabando, caso a importação seja anterior à lei que autorizou a importação de vacinas por empresas, com obrigação de doação das doses ao Sistema Único de Saúde.
Há, ainda, a possibilidade de descaminho, caso a lei citada já estivesse em vigor; ou "falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais", caso a suposta importação tenha acontecido antes do registro da vacina na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).